Considerações sobre o conceito do blog

O objeto primeiro deste blogue é conceituar a natureza da crise econômica, política e social em curso, através da análise do conteúdo intrínseco da negatividade da forma valor, relação social abstrata que se estabelece e se reproduz através da mercadoria e do dinheiro (mercadoria especial e equivalente geral), suas expressões materializadas, bem como a necessidade inadiável de sua superação como instrumento de emancipação humana e contenção dos crimes ecológicos contra a humanidade e o planeta Terra.

Recomendamos a leitura do artigo "Nascimento, vida e morte da forma valor" como forma
de entendimento do conceito do blogue.

domingo, 22 de fevereiro de 2015

Resumo sucinto sobre a natureza da crise atual (dessubtancialização do valor; do dinheiro; das mercadorias; e da redução da massa global de valor e de mais-valia)


O valor é uma forma de relação social com representação numérica abstrata que serve como instrumento de mediação social representativa de um quantitativo de unidades de horas de trabalho abstrato; a moeda é (ou deve ser) a representação numérica do valor (quando não é, trata-se de mero título de crédito embasado na confiança creditícia do seu emitente); a mercadoria (com valor de uso e de troca) é o quantitativo de moeda que o mercado lhe atribui, que pode estar ou não consentâneo com o valor, uma vez que pode estar acima ou abaixo do seu valor intrínseco, ou até sem valor nenhum, dependendo da lei da oferta e da procura dessa mesma mercadoria no mercado; preço é o quantitativo de moeda que o mercado atribui à mercadoria. É graças a isso que uma mercadoria não absorvida pelo mercado pode perder o seu valor original até ser reduzido a zero.  Preço, que é circunstância de mercado representado por uma moeda, é diferente de valor, embora possa ser circunstancialmente a ele correspondente. Assim, podemos concluir que o valor é o gênero do qual o trabalho abstrato, a mercadoria, a moeda e o preço, são espécies que lhe dão vida na base de sua formação (constituição intrínseca) e nas suas relações no mundo econômico (constituição extrínseca). O trabalho abstrato (num conceito mais didático) por sua vez, é assim denominado por ter, concomitantemente, uma natureza concreta (o objeto-mercadoria por ele produzido) e outra natureza abstrata correspondente ao valor a ele atribuído (abstração numérica); e é o critério definidor do quantitativo de valor de uma mercadoria por ele produzida. Dissemos que o conceito acima exposto de trabalho abstrato é apenas didático porque há quem considere (Robert Kurz), num conceito mais apurado, que o trabalho abstrato é totalmente abstrato, porque se desprende do objeto por ele produzido (algo concreto), tornando-se uma mera mercadoria fonte de produção de valor.


Nesse universo de conceitos, tudo é uma abstração; uma invenção da mente humana que somente existe na elaboração do pensar (daí ser uma abstração), mas que estabelece uma relação direta com o concreto (o objeto consumível, a riqueza material) que lhe dá vida existencial negativa. O valor passa, assim, a ser um critério de relação social, e como tal, dita as regras de comportamento em sociedade; uma abstração que comanda a vida real de tal forma impositiva que se configura como uma lógica segundo a qual a dinâmica das coisas inanimadas (as mercadorias no mercado) é o que dá ordens aos seres humanos, a que Karl Marx chamou de fetichismo da mercadoria. 

A humanidade, num determinado momento histórico, quando ainda não existia a relação social sob a forma valor, escravizava o seu semelhante com objetivo de obter comodidades individuais ou de castas sociais. Ao perceber que o acúmulo de riqueza material advinda dessa escravização poderia ser permutada por outras riquezas materiais que lhe fossem úteis, estabeleceu um critério para as trocas, e assim nasceu a ideia de valor para a dimensão do quantitativo dessas trocas, e tendo como critério de mensuração dessa dimensão quantitativa o tempo de trabalho aplicado na fabricação ou obtenção (pela produção localizada, pela caça, pesca, colheita, etc.) dessa mesma riqueza material. Assim, foi (e ainda o é) o tempo de trabalho coagulado naquela riqueza material aquilo que criou a ideia de valor (riqueza abstrata) e a sua necessária quantificação numérica; eliminou-se a produção e consumo coletivos das comunidades primitivas, e se estabeleceu o critério de apropriação da riqueza material e abstrata apropriada individualmente ou por segmentos organizados (um reinado, por exemplo) para a barganha na troca; criou-se a mercadoria (com valor de uso e de troca) e, consequentemente, o mercado.

A moeda, ou dinheiro, que já existia sob a forma simbólica de obrigações sacrais, com características diferentes das que são hoje conhecidas, passou, então, a se encaixar como uma luva na quantificação numérica de representação do valor, possibilitando a existência dele (dinheiro) como equivalente geral e representante do valor, e facilitador das trocas quantificadas de acordo com a quantidade de trabalho empregado nos objetos. O dinheiro transmutou-se do sacro-histórico, onde não era a representação do valor, mas a mera chancela simbólica do poder sacral, para o lógico-histórico, como representação do valor, para assim, constituir-se, sob suas formas embrionárias, em objetos-mercadorias como equivalentes gerais, até chegar aos metais; à cunhagem da moeda; às cédulas em papel; ou aos atuais cartões eletrônicos, em seu processo evolutivo.    

Se a forma valor nasceu da produção segregacionista relacionada às trocas de objetos servíveis ao consumo, e advindas de uma produção escrava, evoluindo nas suas formas de produção e criando formatações jurídico-institucionais ao seu talante e de acordo com as suas necessidades, nos dias atuais ela já não serve como instrumento minimamente eficaz de relação social; chegou ao seu limite interno absoluto. O dinheiro deixou de ser a representação numérica do valor em razão de que já não há produção de valor que corresponda de modo substancioso como relação social, e assim, torna-se um arremedo daquilo que foi no passado remoto (um mero sacrifício simbólico - Robert Kurz), agora administrado pelo Estado, sem correspondência como a sua identidade lógica, tornando-se, mais ainda do que sempre foi no passado mais recente, um mecanismo de dominação e barbárie.  

O volume da massa global de valor vem sendo reduzido em face da redução da massa global de trabalho abstrato na produção de mercadorias (e também da massa global de mais-valia, mesmo que haja uma exacerbação da mais valia relativa per capita). Mas, como a mediação social é feita pelo dinheiro, o que está a ocorrer é a emissão de moeda sem valor para suprir o déficit dessa produção de valor. Tal emissão de moeda sem valor corresponde a uma administração estatal de uma forma de relação social impossível de ocorrer eficazmente do ponto de vista da satisfação mínima das necessidades sociais de consumo. A coexistência de dinheiro advindo de valor válido (advindo da produção) com o dinheiro sem valor, de emissão sem lastro porque sem conexão com a produção de mercadorias, gera inflação e confusão em toda a vida mercantil. As consequências daí decorrentes apontam para um colapso do sistema com resultados imprevisíveis em se mantendo o modo de relação social sob sua égide.

As moedas perdem valor vertiginosamente ao longo dos anos e o próprio valor por mercadorias diminui graças à redução da quantidade de trabalho nela empregado. Exemplo disso nós podemos extrair da segunda revolução industrial fordista até os dias de hoje. Em 1927 um veículo Ford modelo T, custava US$ 290 (duzentos e noventa dólares americanos), e hoje, um veículo popular custa cerca de U$$ 17.000 (quinze mil dólares americanos). O preço em moeda de um veículo popular subiu cerca de 6.000% em pouco mais de 80 anos (e isso calculado em dólar americano, moeda internacional), mas o valor intrínseco desse mesmo veículo decresceu graças à substancial redução do trabalho abstrato nele empregado, substituído inicialmente pelas máquinas e agora também pelos robôs.

Nos Estados Unidos em 1927 a salário hora era de US$ 2,34 e hoje é de US$ 23,74 que corresponde a um aumento nominal de 1.000%. Se fizermos uma comparação com a variação dos preços de um veículo popular para o mesmo período (1927/2015), nós vamos verificar que o salário real do trabalhador americano sofreu uma queda, e o seu poder de compra decresceu (e muito pior para quem está desempregado). Mas mesmo que o padrão salarial se se mantivesse inalterado em termos de valor (não em termos nominal de moeda, pois a inflação fá-lo crescer, mas reduzindo o seu poder de compra), a massa de salários na fabricação de um veículo decresceria graças ao uso da tecnologia de produção que dispensa o trabalho abstrato relativamente. Além disso, o deslocamento da produção em busca de salários mais baixos (caso da China e de outros países ditos “emergentes”), além de provocar desemprego nos países outrora produtores de manufaturados, provoca uma ainda maior redução da massa global de valor produzido mundialmente.   

O descompasso da relação social sob a forma valor graças à contradição interna provocada pelos seus próprios fundamentos, e desconhecidas pela quase totalidade das pessoas, pari passu à insistência na manutenção dessa forma de relação social, gera a barbárie generalizada que ora observamos. Basta abrir a televisão ou a janela para nos depararmos com a decadência da chamada “modernidade capitalista”. Aquilo que era preconizado por estudiosos mais atentos (entre eles e, principalmente, o Karl Marx esotérico e Robert Kurz) de que a lógica capitalista, além de ser segregacionista, mesmo no seu período áureo, caminhava para o colapso, está a se confirmar a olhos vistos.

Como prova disso podemos citar o caso do Brasil, com 400 assaltos a bancos registrados ultimamente; o índice de mortalidade de adolescentes pobres e pretos, principalmente; o analfabetismo funcional; a precariedade dos serviços básicos do Estado como saúde (nem quem pode pagar um plano de saúde tem atendimento eficaz nos serviços médicos mais urgentes e especializados, e imagine os excluídos do sistema); segurança pública (basta vermos a situação dos presídios e de toda máquina judiciária penal); e a corrupção nos seus vários níveis como prática corriqueira; etc.

No plano internacional recrudesce a barbárie traduzida na morte de refugiados nos mares e acampamentos; repulsa aos imigrantes das antigas colônias pelos países colonizadores; volta do fundamentalismo religioso bárbaro como pano de fundo para a crise no oriente médio; anexação de países objetivando a hegemonia política, como ocorre na Criméia, Ucrânia, pela Rússia; crescimento econômico de via única com utilização de mão de obra escrava, como ocorre com a China “comunista”; fascistização dos auspiciosos movimentos como a “primavera árabe”; conservadorismo nos parlamentos europeus; crescimento de um nacionalismo excludente defendido por Putin e aclamado pelos russos; darwinização do pensamento e das ações geradoras de um asselvajamento das relações sociais; desemprego estrutural; e a organização e financiamento de milícias étnicas e criminosas, etc.

A crise ecológica (aquecimento global e predação dos recursos naturais) é a cereja desse indigesto bolo. O mapa da descivilização toma corpo e denuncia a insustentabilidade de longo prazo dos preconizados e falaciosos princípios libertadores iluministas capitalistas. Destarte, a constatação de que a crise do capitalismo, antes de induzir por si só a sua superação, produz uma exacerbação da barbárie num “salve-se-quem-puder” no qual quem não produz valor se torna supérfluo e descartável, está a exigir um grau de consciência e de domínio teóricos sobre a natureza da crise como nunca antes se fez necessário.

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