Considerações sobre o conceito do blog

O objeto primeiro deste blogue é conceituar a natureza da crise econômica, política e social em curso, através da análise do conteúdo intrínseco da negatividade da forma valor, relação social abstrata que se estabelece e se reproduz através da mercadoria e do dinheiro (mercadoria especial e equivalente geral), suas expressões materializadas, bem como a necessidade inadiável de sua superação como instrumento de emancipação humana e contenção dos crimes ecológicos contra a humanidade e o planeta Terra.

Recomendamos a leitura do artigo "Nascimento, vida e morte da forma valor" como forma
de entendimento do conceito do blogue.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Nascimento, vida e morte da forma valor


A forma valor nasceu entre os seres humanos de forma quase imperceptível, na passagem das sociedades primitivas onde preponderava a partilha igualitária dos bens de consumo produzidos entre os membros da comunidade para o estágio mais recente das civilizações antigas, com a civilização política grega à frente, há cerca de 700 anos a.C. O móvel que esteve na base do comportamento capaz de gerar a forma valor consistiu na percepção por alguns dos indivíduos sociais de que por suas maiores habilitações e determinações para o esforço físico, obtinham maior produtividade na atividade a que se propunham em relação aos demais, e entenderam, por um sentimento mesquinho e individualista, que deveriam se beneficiar pessoalmente, via acumulação privada, desse melhor desempenho. Assim, graças a esse sentimento individualista e segregacionista, os mais bem dotados resolveram acumular para si o resultado da produção como forma de barganha, pela troca, em detrimento do interesse da coletividade. Apareceu, aí, o nefasto conceito da troca quantificada, que a muitos parece um natural benefício que viabiliza a satisfação das necessidades humanas, mas que é o vírus através do qual se inocula e desenvolve a negatividade intrínseca da forma valor.

A base material dessa acumulação, portanto, estava relacionada ao fato de que estes indivíduos bem dotados para a maior produtividade, produziam mais em menos tempo e que podiam acumular maior quantidade de produtos e, com isso, obter, pela troca, maior abundância individual de produtos, além do poder de barganha inerente à acumulação dessa propriedade individual. Desse modo, sem se aperceberem e condicionando o tempo de esforço pessoal na produção como critério para a mensuração da troca quantificada de bens necessários ao consumo humano, esses indivíduos estavam criando algo novo, qual seja uma unidade referencial abstrata capaz de mensurar quantidades e qualidades de diferentes produtos numa expressão numérica unificada - a forma valor. Assim, 100 quilogramas de trigo, podiam corresponder na troca a 50 quilogramas de arroz, ou a 01 par de sandálias, e todos esses produtos, diferentes entre si em quantidades e qualidades, corresponderiam a uma igualdade de valor, ou seja, uma quantidade numérica convencionada qualquer, como por exemplo, 50 grekos. Como vimos, o critério de mensuração para essa quantificação na troca, seria o tempo de esforço humano necessário para a produção de cada um desses produtos. Assim, as trocas poderiam se realizar de forma mais cômoda, viabilizando os diversos interesses de aquisição entre diferentes proprietários trocadores, embora se observasse que os indivíduos pouco capazes ou incapazes de produzir ficassem excluídos da vida social... Apesar disso, tudo parecia inocente e justo, uma vez que os produtos eram produzidos individualmente e a acumulação se dava em razão do maior esforço e capacidade individuais, sem maiores possibilidades de se considerar como exploração de um ser humano por outro ser humano.

Nascia assim, como resultado da possibilidade de quantificação numérica do tempo de esforço humano na produção de objetos destinados ao consumo, não apenas a forma valor, mas junto com ela a sua expressão materializada - a mercadoria - contendo nela, concomitantemente, o valor de uso e o valor de troca.  Desse início inconsciente e ingênuo (mas negativo na sua essência), surgiu, inicialmente, o mesquinho interesse de escravização direta de seres humanos por outros, como forma de obtenção de força humana de produção para a acumulação da riqueza, agora passiva de ser mensurada de forma abstrata, via expressão numérica do valor, inicialmente expressa num equivalente geral convencionado (uma mercadoria qualquer, como gado ou sal) e, posteriormente, em um metal de mais fácil manuseio (ferro, prata, ouro, etc.), e mais tarde na moeda metálica ou impressa em papel, sem valor de uso para consumo intrínseco e com emissão sob controle estatal.


Portão principal do campo de concentração Auschwitz I, onde se lê a frase 
"Arbeit macht frei" ("O trabalho liberta"). (fonte: Wikipedia)


Após o seu desenvolvimento imperceptivelmente lento nos vinte séculos iniciais, a forma valor invadiu, paulatinamente, todos os poros das sociedades mundiais, tornando-se one world, como uma relação social abstrata tornada real, por comandar a vida social humana como uma lógica fetichista, impositiva, destrutiva e autodestrutiva ao longo prazo. Nascia assim, como vimos, concomitantemente, com os substratos constitutivos essenciais da forma valor - trabalho abstrato, a mercadoria e o dinheiro - inevitavelmente, os seus instrumentos reguladores, a política e o Estado.

Destarte, o passo seguinte à escravidão direta, consistiu na apropriação do tempo de esforço humano indiferenciado na produção de mercadorias, coagulado nestas, transformado, assim, em trabalho abstrato*, remunerado pela mercadoria especial, o dinheiro, propiciando a remuneração apenas parcial desse mesmo tempo de esforço em relação ao valor da mercadoria produzida. Tal conceito de remuneração substituiu o conceito clássico de escravidão direta e se trata da clássica extração de mais-valia, mecanismo pelo qual se realiza o lucro, reprodução segregacionista e excludente da destrutiva e autodestrutiva forma valor. A apropriação do resultado material da produção de bens em razão do uso do tempo de esforço humano indiferenciado com remuneração apenas parcial desse tempo em mercadoria foi manifestação explícita de uma nova forma de acumulação segregacionista da riqueza, mais sutil, mas não menos violenta, agora mensurada abstratamente, constituindo-se como trabalho abstrato.

A necessidade de troca da riqueza abstrata como forma de acumulação dessa mesma riqueza abstrata e de poder, mensurada pelo tempo de trabalho abstrato, como vimos, foi o elemento que promoveu o desenvolvimento da forma-valor, que a partir da concentração de capital, gerou o que veio a se caracterizar como capitalismo, ou seja, a acumulação e reprodução contínua da riqueza abstrata através do trabalho abstrato sob a forma de capital financeiro e industrial, mensurada por um padrão monetário qualquer. Com o trabalho abstrato, correspondente aos muitos tempos indiferenciados de dispêndio de energia, nervos e músculos coagulados na mercadoria, tornando-se a substância da abstração forma valor, a acumulação da riqueza agora podia se dar sob a forma de mercadoria dinheiro, capaz de fazer a conexão entre a realidade abstrata insensível (a forma valor) com a realidade sensível (o objeto mercantil em si).

Como se vê, o dinheiro e a mercadoria precisam se reproduzir e circular na troca para que se processe sua acumulação segregacionista contínua, através da fórmula “dinheiro=mercadoria=mais dinheiro” (Karl Marx), posto que, de outro modo, acaso isso não ocorresse, terminariam por se exaurir e desaparecer. Para que esse fim tautológico, vazio de sentido virtuoso, seja processado pela valorização do valor através da acumulação contínua, faz-se necessário que exista o tempo de trabalho abstrato coagulado na mercadoria para que seja apropriado cumulativamente, sempre e sob qualquer forma jurídica onde se desenvolva, seja pelo capitalismo privado, como ocorre nas sociedades burguesas liberais clássicas, ou pelo capitalista estatal, como nas sociedades socialistas marxista-leninistas tradicionais, que admitem, equivocadamente (ou seria maliciosamente?), poder extrair mais-valia e distribuir o lucro de modo justo. Assim, o trabalho abstrato, a mais-valia e o lucro, são construtos indissociáveis da cumulativa (quando pára de acumular ela morre) e negativa forma-valor (Karl Marx).



Enquanto pôde alargar seus horizontes, a forma-valor formou o universo dos construtos e conceitos iluministas que lhe são imanentes, tais como democracia, cidadania, direito civil, direito trabalhista e outros, partidos políticos e política, voto, estado republicano, socialismo real, bolivariano, etc., que foi se aperfeiçoando como conseqüência natural dessa “evolução” imanente. Entretanto, a negatividade do processo de acumulação segregacionista da forma valor tem contradições internas em permanente processo que apontam para o seu colapso e saturação num ponto futuro. Tais contradições se expressam em muitos aspectos. Vejamos algumas delas:

a) contradição irresolúvel entre a necessária busca ad infinitum da reprodução de sua realidade insensível (a valorização do valor), ou seja, a acumulação ilimitada da riqueza abstrata como modo de equilíbrio existencial desta, e a realidade objetiva sensível, expressa no limite material da capacidade de produção e circulação das mercadorias através do consumo (limite da capacidade de consumo) dos objetos mercantis em si, que apenas usam a sua capacidade de satisfazer necessidades humanas como veículo insensível de reprodução da forma valor;

b) corrida da concorrência entre as mercadorias em busca da hegemonia, que impulsiona o aumento da produtividade com o uso do trabalho morto, objetivado, (das máquinas e tecnologia) na busca do oxigênio vital, o lucro, que reduz a quantidade de tempo de trabalho abstrato na produção, substância vital da forma valor, dessubstancializando-a de tal modo que esta última tende ao mínimo e a se tornar ineficaz como instrumento de mediação social, promovendo o desemprego estrutural, a falência estatal, e entrando em processo de disfunção social, que corresponde a sua condição autodestrutiva e ao seu colapso final;

c) queda tendencial da taxa de lucro (Karl Marx), graças à necessidade contínua de cada vez maior investimento em capital fixo (máquinas, equipamentos, instalações, tecnologia, etc.) em contraste com a redução do investimento em capital variável (trabalho abstrato e insumos), para a indispensável manutenção da massa de lucro, que provoca a irrecusável e segregacionista concentração de capitais, criando um impasse à circulação de mercadorias.

Tais fenômenos são inevitáveis, vez que são conseqüências imanentes à lógica destrutiva e autodestrutiva da forma valor, e prenunciam o momento do seu limite interno absoluto, onde se evidenciará a impossibilidade final de mediação social sob sua forma. As sociedades mercantis e seus construtos políticos e jurídico-institucionais, já entraram agora em processo de disfunção social, gerando a decadência mercantil, desagregação social, a decomposição institucional e a degradação ecológica, implicando na necessidade inadiável e irrecusável de sua superação, sob pena de sucumbirmos na barbárie, numa hecatombe bélica ou ecológica.

A crise econômica, social e política que eclodiu de forma violenta em 2008, além da crise ecológica em curso, é apenas a ponta do iceberg do negativo processo destrutivo e autodestrutivo da forma-valor enquanto relação social, e a compreensão dessa essência constitutiva negativa é fator indispensável para a sua superação como condição da emancipação humana e viabilização da vida no planeta Terra.

2 comentários:

Diogo F disse...

Prezado primo! Aqui fala DIOGO, das distantes terras de Criciúma.

É um grande prazer vê-lo aderir à Internet e aos blogues que, respeitada a posição invencível dos livros, tem muita riqueza de pensamento a oferecer.

Muita gente de outras gerações se recusa a dar esse passo que estás dando, achando que só tem porcaria, e com isso fecha várias janelas de seu mundo.

Aproveito o ensejo da, digamos, auto-destrutividade do mercado concorrencial puro pra te convidar a assistir uma explanação do OLAVO DE CARVALHO, que não sei se você conhece. É alguém que está no extremo oposto do espectro político e ainda assim acho que joga luzes interessantes sobre esse fenômeno.

Diogo F disse...

aí vai: http://www.youtube.com/watch?v=xCzd2yK7yuw

Um abraço e parabéns pelo blogue.

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