Considerações sobre o conceito do blog

O objeto primeiro deste blogue é conceituar a natureza da crise econômica, política e social em curso, através da análise do conteúdo intrínseco da negatividade da forma valor, relação social abstrata que se estabelece e se reproduz através da mercadoria e do dinheiro (mercadoria especial e equivalente geral), suas expressões materializadas, bem como a necessidade inadiável de sua superação como instrumento de emancipação humana e contenção dos crimes ecológicos contra a humanidade e o planeta Terra.

Recomendamos a leitura do artigo "Nascimento, vida e morte da forma valor" como forma
de entendimento do conceito do blogue.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

A crise ecológica mundial e sua conexão com a agressão ao “Parque do Cocó” em Fortaleza



Vista da cidade de Fortaleza a partir do Parque do Cocó (fonte: wikipedia)

A cidade de Fortaleza se situa no entorno do "Parque do Rio Cocó", que ao chegar às proximidades de sua foz se alastra e se constitui num complexo de mangues próprios à manutenção de um ecossistema biológico importante para o equilíbrio natural da cidade. Trata-se de um dos mais importantes sistemas ecológicos urbanos, e isso situado numa cidade de cerca de 2,4 milhões de habitantes, figurante entre as maiores capitais do país. Tal condição não ficaria imune às agressões ao meio ambiente próprias a uma sociedade que considera a terra uma mercadoria e os cursos d'água como escoadouro barato de dejetos humanos e industriais, e onde tudo é mensurado por um quantitativo de valor e destinado a sua reprodução contínua. Assim, além das já conhecidas agressões poluentes que tornam as águas do rio e do mangue do Parque do Cocó impróprias para o consumo humano, e até mesmo para a pesca e outras atividades extrativas da piscicultura, desde há muito, e agora mais intensamente, avançam construções de imóveis sobre as suas margens, numa corrida autofágica provocada pela especulação imobiliária e pela avidez de lucros do setor da construção civil.

O Estado tem sido impotente para o combate a tais agressões, e é fácil de compreender a sua impotência diante desses fatos. O Estado como instância política, institucional e reguladora da vida mercantil e, portanto, parte indissolúvel e dependente desse modo de relação social, não pode se voltar contra a sua própria natureza abstrata, mesmo que isso atinja a natureza biossistémica. Assim os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo, instâncias que servem como pilares de sustentação do organismo estatal, são impotentes para coibir as agressões de que ora falamos, e a sociedade, mesmo que fique indignada com tais abusos, não tem instrumentos eficazes para o combate frutífero desses cometimentos, vez que é igualmente dependente dessa lógica mercantil abstrata da qual falamos. Que se louvem as atitudes heróicas dos defensores do meio ambiente, mas que não se escamoteie nem se deixe de lado, como tema tabu no qual não podemos tocar as análises de causa e efeito desses cometimentos, vez que somente combatendo a gênese basilar da lógica fetichista e destrutiva sob a qual vivemos, poderemos impedir a hecatombe que se avizinha, seja no Parque do Cocó, seja no Sri Lanka, seja na China, em Mianmar ou nos EUA (Califórnia e New Orleans).

Sobre o que está na base da agressão ecológica - Os tripulantes da nave espacial planeta terra correm perigo? A própria nave corre perigo? Não há outra resposta para essa pergunta, senão uma aterrorizante afirmação dessas duas possibilidades. Diante desse sim, e para melhor situarmos a questão, cabe outra pergunta: quem promove essa navegação de risco? A resposta também não pode ser outra senão aquela que afirme categoricamente que "são os seres humanos, agindo inconscientemente sob o comando hipnótico e impositivo de uma relação social abstrata, fetichista, destrutiva e autodestrutiva, porque contraditória na sua essência, cujo sujeito é uma pura forma, que tem como objetivo teleológico a sua própria sustentação através de um autocrescimento contínuo, tendente ao infinito, mas com limite interno na sua base veicular (o mercado), circunstância que correspondente a uma contradição endógena irresolúvel, além de se constituir em uma forma destituída de objetivo virtuoso.

Trata-se da forma valor!" Então, se é assim, por que a consciência humana não interfere nessa forma de direção perigosa e suicida, discutindo a base ontológica sobre a qual ela se ergue? A correta resposta a essa pergunta nos parece ser a única forma de superarmos o problema na sua origem, e a sua exata formulação é tão ou mais importante do que os estudos científicos havidos nos mais variados ramos das ciências físicas aplicadas à ecologia para a avaliação dos fenômenos meteorológicos que nos dão dados suficientes para deixar a todos perplexos diante das catástrofes iminentes e das muitas que já se fazem sentir. Assim, tentemos responder a essa questão do conteúdo físico da catástrofe e do "porquê" dos seus aspectos mais cruciais de causa e efeito, de modo a considerarmos o gigantismo dessa crise ecológica, que para alguns cientistas já toma contornos de irreversibilidade.




O aquecimento do planeta – dentre os fenômenos que afetam a vida do ecossistema do planeta terra, certamente que o aquecimento provocado pela emissão excessiva de gás carbônico (CO2) é o mais assustador, pela sua abrangência, intensidade destrutiva e irreversibilidade de curto prazo. Afirmam os estudos dos especialistas de diversos organismos internacionais, que o atual estágio de aquecimento do planeta atinge níveis bastante perigosos, e o que é mais grave, já com contornos de irreversibilidade, dado o demorado processo de recuperação necessário, mesmo que houvesse uma intervenção concentrada nas causas desse aquecimento. O aquecimento do planeta se dá, especialmente, em função da emissão de gás carbônico (CO2) na atmosfera, entre outros, que não se dissipam imediatamente na imensidão do universo, e funciona como o telhado de uma estufa sobre o planeta, que permite a entrada dos raios solares, mas retém parte do calor refletido por esses raios na superfície. A emissão desses gases pela natureza, em níveis naturais, promove o equilíbrio que permitiu a vida vegetal e animal na superfície do planeta. Entretanto, o aumento excessivo de emissão desses gases, provoca um "telhado" mais espesso, provocando o superaquecimento do planeta, ameaçando o equilíbrio ecológico e, conseqüentemente, a vida dos seus vegetais e animais. A emissão de gases na atmosfera se acentuou drasticamente a partir do consumo de combustíveis fósseis decorrente do processo da revolução industrial embasada na combustão do petróleo, bem como do modo transporte automobilístico massivo, que é feito através dos motores à combustão, grandes emissores desses gases (calcula-se em 725 milhões de unidades a frota de carros do planeta, emitindo diariamente gás carbônico na atmosfera). De 1 bilhão de toneladas de emissão de CO2 em 1928, pulamos para 7,3 bilhões de toneladas em 2005. O combustível fóssil petróleo, fonte energética produtora de gás carbônico por excelência, é responsável por cerca de 75% dessa emissão excessiva. Os outros 25% ficam por conta das queimadas, que ao mesmo tempo em que emitem gás carbônico, promovem a diminuição da arborização, dificultando a absorção de gás carbônico pelas florestas, constituindo-se, portanto, em fator de aquecimento e desertificação, numa dinâmica auto-indutiva que se prenuncia como catastrófica se não for barrada a tempo.


O aquecimento do planeta gera desequilíbrios em vários níveis da vida planetária. Vejamos os principais aspectos desse fenômeno meteorológico:

- diminuição da cobertura de gelo da calota polar ártica, que em média se reduz em 8% ao ano, há três décadas, e que somente no ano de 2005, derreteu uma área correspondente aos territórios da França, Alemanha e Reino Unido, juntos. Esse degelo produz uma grande quantidade de água despejada nos oceanos, o que aumenta os seus níveis, bem como produz um aquecimento das suas águas. As águas dos oceanos estão 0,5% mais quentes nos últimos 20 anos, circunstância que altera a circulação dos ventos, provocando deslocamento de ar seco para várias regiões do planeta, causadores da seca e, conseqüentemente, na diminuição das águas, fator auto-indutivo do aquecimento, num processo autopropulsor. O rio Amazonas no Brasil, o maior do mundo em volume d'água, com uma bacia de 6,150 milhões de km2, baixou 2m (dois metros) na ultima seca, o que dá bem a idéia dos desníveis causados por esses fenômenos. Algumas regiões da Amazônia, recentemente, tiveram enchentes nunca vistas. A redução substancial dos glaciares (blocos de gelos continentais decorrentes da conservação contínua de neve) nos EUA, na Patagônia e nos Andes, implica no aumento substancial da temperatura das águas dos mares, e é responsável por 10% desse aumento. Na Groenlândia o degelo aumentou em 100% nos últimos 10 anos e a capa de gelo que cobre 85% da área da ilha diminui ao ritmo de 51 km cúbicos por ano. O aquecimento do planeta, fator de aumento da temperatura das águas oceânicas e causa da elevação considerável dos seus níveis, como dissemos, representa graves transtornos ecológicos em decorrência da invasão aqüífera marinha dos continentes. A elevação das águas do mar no último século se situa entre 8 e 20 centímetros, fenômeno que já causou alterações substanciais na vida dos habitantes de muitas áreas praianas mundo afora, e um estudo do IPCC – Painel Internacional de Mudança Climática, órgão da ONU, prevê que o nível das águas subirá 01 (um) metro até o fim do século XXI;

- o aumento do calor implica na alteração da vida animal de modo substancial. Estudos de quinze universidades e centros de pesquisa de vários países estima que o aquecimento da temperatura no planeta terra implicará na extinção de cerca de 1 (um) milhão de espécies animais até 2.050. Além do mais, estimula a produção de fungos que somente podem subsistir em temperaturas altas, e que são nocivos à vida animal. A título de exemplo, e segundo estimativas de biólogos e cientistas, nas florestas tropicais das Américas do Sul e Central, das 110 espécies de sapos identificadas, cerca de 66% desapareceu vitimada pela proliferação de fungos antes inexistentes. No sul da França houve uma proliferação de lagartos da espécie Lacerta, inclusive com aumento de tamanho, que se transformou em verdadeira praga. Nas praias, o aquecimento da temperatura das areias usadas pelas tartarugas para a desova, implicou no desequilíbrio do desenvolvimento dos embriões, fazendo com que nascessem mais fêmeas do que machos provocando um comprometimento do futuro da espécie. Alteração na intensidade e velocidade dos ventos tem causado destruição dos ninhos dos albatrozes, causando a diminuição de 50% em alguns espécimes de aves dessa família;


- a desertificação é um fenômeno assustador, que atinge alguns países de forma muito agressiva. As áreas em processo de desertificação aumentaram substancialmente, e já se estima que 25% da superfície do planeta já está desertificada. As secas e inundações avançam por toda parte, mesmo as mais distantes da linha do equador, e regiões nunca antes atingidas por esse fenômeno (ou muito raramente) agora passam a viver esse drama (caso do Sul do Brasil). Calcula-se que cerca de 150.000 pessoas morrem por ano por causa das secas, e na China as áreas desérticas avançam cerca de 10.000 quilômetros quadrados por ano. Por outro lado, no pólo oposto, as inundações se avolumam como reflexo do desequilíbrio da temperatura, que afeta o processo de evaporação das águas e causam precipitações pluviométricas avassaladoras e concentradas em curto espaço de tempo;


- a ocorrência dos tornados, furacões e tufões nos continentes propícios as suas investidas tem aumentado, e até países onde não se observavam tais fenômenos passaram a conhecê-los, como é o caso do sul do Brasil. Segundo o IPCC da ONU, em 2005, ocorreram cerca de 259 fenômenos ligados diretamente ao aquecimento global (169 inundações, 69 tornados, e 21 secas), em contraposição à média de seis por ano há 200 anos atrás. O exemplo de devastação do furacão Katrina, em New Orleans, nos EUA, ocorrido em agosto de 2005, bem como o maremoto que provocou o Tsunami na Ásia (Sri Lanka e países vizinhos), a invasão das águas marinhas em Mianmar, e o recente terremoto na China, com milhares de mortos e milhões de desabrigados, mostrou como a força da natureza é violenta em resposta aos desmandos dos que ousam agredir as suas leis geológicas e meteorológicas;

- a aceleração da decomposição de matéria orgânica na terra e no mar causada pelo aquecimento da terra é fator de emissão de gases tóxicos nocivos à vida animal. A emissão de gás carbônico de modo excessivo está igualmente tornando ácidas as águas dos oceanos, fenômeno que provoca a morte dos plânctons, corais e viveiros do mar, base da cadeia alimentar subaquática. O surgimento de epidemias, como é o caso da "febre da vaca louca" e da "gripe aviária", e o recrudescimento de epidemias antigas como é o caso da malária e da dengue, podem estar relacionadas com o aquecimento da temperatura do planeta Terra.


A poluição industrial, agrícola e urbana – acresce-se à agressão ecológica promovida pela emissão de gás carbônico na atmosfera pela atividade industrial, outras de naturezas as mais diversas, tais como a poluição dos rios com produtos químicos ou dejetos orgânicos e inorgânicos; extração mineral predatória; inadequação do tratamento e destino do lixo resultante de atividades industriais e hospitalares, ou do lixo produzido pelo consumo humano nas residências; gases poluentes em decorrência de uso de eletrodomésticos; uso de defensivos agrícolas na produção de alimentos com base na utilização de produtos químicos nocivos ao manuseio e consumo humanos; utilização de produtos químicos na produção e conservação industrial de alimentos enlatados, ensacados ou acondicionados em vidros; o uso indiscriminado de automóveis movidos à combustão fóssil; etc., etc. etc. É interminável a lista de poluentes que de forma consciente ou inconsciente de uso pela intervenção humana agridem a natureza.


O combate às causas da crise ecológica - todos esses fatos são do conhecimento público, sem que haja força política (e não pode haver) para a alteração substancial desse quadro. Ações educativas veiculadas pela mídia; iniciativas particulares aqui e acolá; importantes protestos e ações práticas de grupos ecológicos; ação parlamentar de partidos políticos voltados para essa questão, não têm sido suficientes (e não podem ser, sob essa forma) para barrar essa trajetória suicida. Por que no atual quadro a sensibilidade humana é impotente para barrar essa forma autodestrutiva de procedimento social? A correta resposta a essa pergunta corresponde à decifração do enigma que está a nos devorar.


A lógica da produção de mercadorias não obedece à satisfação das necessidades humanas, mas ao movimento tautológico da forma valor, ou seja, obedece à necessidade de sua auto-reprodução, de sua autovalorização como pura forma abstrata e fetichista, que está chegando ao seu limite existencial, prenunciando o seu iminente colapso como modo de mediação social, mas não sem antes promover um estrago ecológico decorrente da atividade insana dos executores de sua lógica, os seres humanos, que agem de modo inconsciente e suicida na defesa de sua permanência, notadamente nesse momento dos seus estertores. Entretanto, as pessoas não se apercebem de que é essa forma de mediação social – a forma valor - em si, a causa do problema, e não o modo como ela é conduzida. Até mesmo os mais destacados representantes de partidos voltados para o problema ecológico, como é o caso dos partidos verdes, não atinam para essa questão, e sequer percebem que são parte do sistema produtor dessa hecatombe. Exemplo claro disso, podemos tirar do pensamento de um dos políticos mais populares da Alemanha, representante da corrente dos realistas do partido verde alemão e Ex-Ministro das Relações Exteriores, Joschka Fischer, que em seu livro "Por uma nova concepção de Sociedade - uma análise política da globalização (Summus Editorial, Brasil, 2001, tradução de Sílvia Bittencourt e Hemílio Santos), ao tentar explicar e criticar a globalização e o neoliberalismo, com ênfase na questão ecológica, deixa transparecer claramente que, apesar de conhecer a dinâmica interna destrutiva da forma valor, de reconhecê-la como uma relação social negativa, quer subordiná-la à ação do estado através da política, para lhe dar uma feição razoável (mais uma vez caindo no erro da tentativa de sua impossível justa distribuição) não entendendo que tanto o estado como a política são partes constitutivas subordinadas dessa forma, e que antes de poder ditar normas para o seu funcionamento distributivo "justo", "humanizado" ou "sustentável", são instrumento de regulação do seu desenvolvimento a qualquer custo. Daí porque nesse livro citado, fica clara a defesa do combate à adequação do estado e da política aos interesses mercantis globalizados, ao mesmo tempo em que defende o restauro do poder do estado nacional em intervir eficazmente na defesa dos cidadãos e da economia nacionais, do estado social nacional, numa visão neo-keynesiana, por desconhecimento do liame inseparável entre mercado, política e estado, com a total dependência destes últimos ao primeiro, bem como da globalização como estágio de necessidade de internacionalização do capital imposto pela corrida concorrencial mundial, fenômeno que não apenas não pode ser contido pela política e pelo estado, mas ao contrário, tem nessas esferas institucionais os instrumentos de sua viabilização incondicional.


Para superar o modelo causador de tudo isso é necessário vivermos sob a égide de uma sociedade livre da troca de mercadorias, onde não se precise comprar e vender para consumir, e mais precisamente, não se precise comprar e vender cada vez mais como forma de dar sustentação à dinâmica interna destrutiva da forma valor, embasada no processo contínuo tendente ao infinito de autovalorização. Superar a ameaça de colapso ecológico do nosso ecossistema não é coisa que dependa de políticas ecologicamente corretas dentro da sociedade mercantil, posto que, isso é impossível, uma vez que política, estado e mercado, instâncias causadoras do problema, mantêm laços indissolúveis e intercomunicantes. Superar essa ameaça é pensar numa cultura da vida, e não da morte; é superar e transcender o sistema produtor de mercadorias; é entender que a questão ecológica (como por exemplo, a produção de energia) não pode estar subordinada à lógica mercantil de resultados econômico-financeiros, e para isso se faz necessário, antes de combatê-la na forma, superar a questão de conteúdo, ou seja, trata-se de superar esse modo de relação social - a forma valor - que ora atinge o seu limite existencial, e superá-la significa, principalmente, acabar com todas as formas jurídico-institucionais que lhe dão sustentação, superando a própria política (e conseqüentemente, inclusive, o próprio partido verde) e o Estado. Antes que seja tarde...



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