Considerações sobre o conceito do blog

O objeto primeiro deste blogue é conceituar a natureza da crise econômica, política e social em curso, através da análise do conteúdo intrínseco da negatividade da forma valor, relação social abstrata que se estabelece e se reproduz através da mercadoria e do dinheiro (mercadoria especial e equivalente geral), suas expressões materializadas, bem como a necessidade inadiável de sua superação como instrumento de emancipação humana e contenção dos crimes ecológicos contra a humanidade e o planeta Terra.

Recomendamos a leitura do artigo "Nascimento, vida e morte da forma valor" como forma
de entendimento do conceito do blogue.

domingo, 2 de maio de 2010

A tragédia no Rio de Janeiro



Diante de mais uma tragédia que matou centenas de pessoas e desabrigou milhares de outras no Rio de Janeiro, além de danos materiais de grandes dimensões, mais uma vez se observa o desfile de teses sobre “de quem é a culpa?”. A grande mídia de comunicação que fatura alto com a comoção pública diante da tragédia se incumbe de expor o fato sob o ponto de vista de “identificar” os culpados, e faz uma analise superficial que acusa desde as próprias vítimas, pela “irresponsabilidade” de construir em áreas de risco, passando pela genérica e usual frase “falta de competência das autoridades públicas”, chegando a noticiar até (como afirmou o Prefeito de Niterói), a conclusão de que não há culpados, uma vez que se trata de um fenômeno natural contra o qual ninguém pode se opor de modo eficaz.

Tal abordagem periférica do problema, antes de tratá-lo com seriedade e ânimo de solução definitiva, somente demonstra quão inconscientes da sua própria natureza são as sociedades mercantis e todos os formadores de opinião ou, o que é pior, demonstra quão comprometidos com a sociedade mercantil causadora disso tudo, estão todos os segmentos dessa mesma sociedade, aí incluídos imprensa, as várias instituições do Estado, o mundo empresarial, os partidos políticos, as instituições religiosas, a classe média e até mesmo a intelectualidade.

O colossal e trágico processo de favelamento que assola as cidades brasileiras tem sua origem e consolidação no fato de que grande parte da população brasileira está desempregada, como de resto está acontecendo no mundo todo, onde o desemprego estrutural é fator de irreversível e principal contribuição para o colapso das relações sociais sob a forma valor, representada pelas mercadorias em geral, incluindo-se aí o trabalho abstrato e o próprio dinheiro. Mas se acresce a esse fator os baixos salários dos que estão empregados, condição que está colocando os países do terceiro mundo, agora chamados de emergentes (Brasil, Rússia, Índia e China, os chamados BRIC’s), no topo das relações de produção de mercadorias a preços de concorrência do mercado internacional, fruto da nefasta adição de alta tecnologia das empresas multinacionais, que deslocam suas bases de produção para esses países, aos salários de fome. Tal fenômeno mercantil está criando a falsa impressão de estabilidade e prosperidade nesses países ditos emergentes.

Mas aprofundemos o tema da tragédia e suas causas. A terra é uma mercadoria de alta valorização no mercado imobiliário, circunstância que adicionada ao custo da construção de uma residência familiar, em média cinco vezes maior que o valor da terra, tem sua aquisição proibida para quem está desempregado e para quem ganha de um a três salários mínimos, circunstância que abrange uma alta percentagem da população. Tal equação é de fácil conclusão. Uma casa para uma família de cinco pessoas, com um mínimo de condições de habitação, incluindo-se aí a necessária infra-estrutura urbana composta de saneamento básico, vias pavimentadas de acesso, abastecimento de água, luz, gás, e equipamentos urbanos (escola, creche, transporte, hospital, etc.), ascende a um custo de cerca de R$ 100.000,00 (cem mil reais), ou US$ 55.000,00 (cinqüenta e cinco mil dólares americanos) por unidade.

Ora, se considerarmos que o salário mínimo mensal brasileiro está em torno de R$ 500,00 ou US$ 277,00, facilmente podemos concluir que o trabalhador, mesmo empregado, dificilmente pode comprar uma residência dentro desse padrão ao longo de sua vida. O resultado disso é o favelamento, fruto da ocupação desordenada e clandestina do solo urbano que leva as pessoas, contra as suas vontades, a habitar em áreas de risco. O poder público, por sua vez, cada vez mais falido, não tem mecanismos financeiros e administrativos de controle eficaz, e nem mesmo vontade objetiva de solução do problema, vez que o Estado, que vive dos impostos das atividades mercantis das quais é instrumento de indução e de regulamentação, não pode se por à lógica causadora de tudo isso e da qual é parte indissociável. No caso específico do deslizamento do “Morro do Bumba”, em Niterói, que se deu em razão de construções sobre um terreno que outrora fora um depósito irregular de lixo urbano, fica claro que a remoção desse lixo urbano para áreas impróprias deriva da falta de instrumentos de fiscalização pelo Estado e pela necessidade de redução de custos de coleta e transporte, onde se buscam áreas mais próximas para seu armazenamento e em terrenos de baixa valorização no mercado (caso dos morros). Tudo se soma destrutivamente.

Por outro lado, a insanidade da lógica da vida mercantil, que tem na produção de mercadorias a sua fonte de sobrevivência, independentemente do dano ambiental que isso possa causar, e em nome de sua malfadada sobrevivência, se obriga a poluir o meio ambiente e a agir de modo predatório com relação às fontes de recursos naturais, bem como em emitir gases poluentes na atmosfera (indústria automobilística à frente), provocando o comprovado efeito estufa, condição de aquecimento do Planeta Terra. O resultado disso é uma mudança de clima capaz de produzir efeitos catastróficos no Planeta Terra, razão pela qual não é natural que chuvas torrenciais desabem sobre o Rio de Janeiro e as ressacas do mar comprimam as águas das chuvas alagando de modo insuportável as vias e logradouros públicos e privados causando o caos urbano.

Todos esses fatores agrupados têm uma origem única, qual seja a inviabilidade de relação social sob a forma valor que chegou ao seu limite interno de expansão, e que caminha para o colapso, arrastando atrás de si toda a humanidade. A discussão sobre a necessidade de superação da lógica mercantil é fator de inadiável prioridade. Entretanto, todos os organismos sociais teimam em tentar qualificar o funcionamento social sob a égide dessa lógica, ao invés de discutir a sua superação, como se ela mesma fosse algo ontológico, que não pudesse ser superado na sua essência. Assim, esse tema tabu não é discutido na imprensa, na escola, nos partidos políticos, nos sindicatos, nas academias, etc., vez que dela todos são súditos dependentes e insanos. A inconsciência coletiva da gênese dos próprios problemas é a marca social dos tempos de saturação de um modelo predador da vida social, fundado na apropriação indébita do tempo de trabalho de quem produz mercadorias (a forma-valor nasce da produção dessas mercadorias de onde se extrai mais-valia), e que, como dissemos antes, entra agora em processo de colapso interno da sua forma abstrata.

A tragédia do Rio de Janeiro tem um único culpado: o colapso que vem sendo causado pelo limite interno absoluto da desonesta, injusta, segregacionista, predatória, autofágica, destrutiva e autodestrutiva lógica mercantil. Tal qual o dilema da esfinge, estamos colocados diante da seguinte questão: decifra-me ou te devoro.

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