Considerações sobre o conceito do blog

O objeto primeiro deste blogue é conceituar a natureza da crise econômica, política e social em curso, através da análise do conteúdo intrínseco da negatividade da forma valor, relação social abstrata que se estabelece e se reproduz através da mercadoria e do dinheiro (mercadoria especial e equivalente geral), suas expressões materializadas, bem como a necessidade inadiável de sua superação como instrumento de emancipação humana e contenção dos crimes ecológicos contra a humanidade e o planeta Terra.

Recomendamos a leitura do artigo "Nascimento, vida e morte da forma valor" como forma
de entendimento do conceito do blogue.

sexta-feira, 30 de maio de 2014

É Possível Se Produzir Sem Dinheiro?

Pensar em uma produção de bens e serviços necessários à satisfação do consumo humano fora da remuneração em dinheiro é algo quase impossível; mais do que isso, é impensável. Tal ocorre porque durante três milênios, período em que surgiu o escambo, a troca quantificada, modo de relação social que surgiu em substituição à partilha, embrião da forma-valor, a idéia de mensuração dos objetos úteis ao consumo humano através de um quantitativo numérico denominado valor de troca foi paulatinamente tomando conta de todas as relações sociais até chegar a sua forma desenvolvida denominada capitalismo.

Pensar em produzir algo para a satisfação do consumo sem uma correspondente remuneração em dinheiro (valor e preço) se tornou algo absurdo. É como se em cada produto houvesse sido nele incorporado quimicamente o dinheiro; tal aprisionamento cultural do pensar se tornou tão forte que se costuma considerar que nada se pode fazer sem a presença do dinheiro. Mas, evidentemente, em nenhum produto manipulado pelo ser humano existe sequer um grama de dinheiro. A conclusão óbvia é de que o dinheiro é uma forma de produção social específica, histórica, que foi introduzida pela humanidade nas suas relações sociais a partir de um determinado modo de produção, e não é indispensável para a existência humana como o é a água ou o ar. Basta se refletir sobre tal fato para nos darmos conta de algo de que não nos apercebíamos. O dinheiro é a um só tempo, o instrumento de viabilização mercadológica de um modo de produção social específico e a expressão materializada de uma quantificação numérica de valor criada pela mente humana a partir do tempo de trabalho aplicado na produção de mercadorias. Haja outro modo de produção que não o de mercadorias, e o dinheiro desaparecerá.

No momento em que esse modo de relação social se torna anacrônico por força da sua autocontradição, costuma-se atribuir a culpa da inviabilidade social apenas à corrupção política; à incompetência administrativa dos políticos; à ganância dos bancos; à desqualificação profissional dos trabalhadores; ao baixo nível de produtividade, etc., mas ninguém, ou quase ninguém, ousa admitir a obsolescência do dinheiro, e que se possa produzir mais e melhor se fosse abolida a sua nefasta intermediação na produção dos bens necessários à satisfação do consumo. É a prisão do pensar.

2 comentários:

Anônimo disse...

O dinheiro é nada mais que um facilitador das trocas. No fundo, a economia de mercado é a economia das trocas, em que as pessoas se especializam em produzir aquilo em que são mais produtivas, e então trocam o produto do seu trabalho pela mercadorias produzidas por outras pessoas. Ou seja, o ser humano percebeu que era muito melhor se a produção fosse social, do que se cada pessoa ou cada grupo tentasse ser autossuficiente. Desde quando a economia das trocas surgiu, a partir da evolução natural das sociedades, sempre se utilizou alguma mercadoria como meio de troca, para facilitar as trocas. No início, eram commodities agrícolas, que demoravam a perecer. Depois se passou a adotar os metais, que são muito mais estáveis. No entanto, como os metais possuem uma quantidade limitada no planeta, percebeu-se que era preciso adotar uma moeda cuja oferta pudesse ser facilmente regulada: o papel moeda. Nesses termos, não há por que demonizar o dinheiro, pois ele é nada mais que um instrumento para facilitar transações comerciais.

Por outro lado, se você está usando o termo "dinheiro" como sinônimo de mercadoria ou matéria, então condenar o dinheiro é como condenar o materialismo. OK, é uma opinião, algumas pessoas escolhem ser materialistas e amam o dinheiro, e outras escolhem cultivar o espírito e desprezam o dinheiro. Afinal, em uma sociedade livre, cada um pode adotar os valores e o estilo de vida que lhe apraz, respeitando o espaço de outrem.

Dalton Rosado disse...

O dinheiro não é, apenas, um facilitador das trocas. Ele é a expressão numericamente materializada da abstração forma valor, mas não é uma matéria em si (é uma abstração tornada real). Por sua vez o valor é uma forma de relação social específica, numericamente mensurada pelo dinheiro, e configurada como riqueza abstrata, que se sobrepõe, até, à riqueza material. Juntamente com o dinheiro, mercadoria especial sem valor de uso e contendo apenas valor de troca, as mercadorias sensíveis, com valor de troca e com valor uso, na medida em que satisfazem necessidades de consumo, formam a exteriorização mercadológica da forma-valor. Por sua vez o trabalho abstrato, também uma mercadoria (força-de-trabalho) é o pressuposto constitutivo da forma-valor. As mercadorias sensíveis (que são simultaneamente concretas – pelo objeto em si - e abstratas - pelo valor de troca) enquanto expressões do valor têm como critério de mensuração quantitativa o tempo-trabalho nelas empregado. Destarte, o dinheiro e as mercadorias são a expressão exteriorizada do valor, e a mercadoria trabalho abstrato (que produz mercadorias) o seu pressuposto existencial constitutivo. Dessa forma não há como se considerar o dinheiro um mero instrumento, mas uma substância constitutiva de um universo mercantil que se consubstancia numa forma de relação social negativa.
A produção social feita a partir desse critério mercantil não é socializada equanimemente, uma vez que o valor advindo do trabalho abstrato na produção de mercadorias é subtraído ao trabalhador como forma de acumulação do capital. Tal fenômeno denominado “extração de mais-valia” consiste na apropriação indébita (pelo capital) de parte do tempo de trabalho abstrato produtor do valor no exato momento da produção de mercadorias. Graças a isso é que as cidades, os países (alguns poucos ricos e muitos outros pobres) são cindidos em esferas sociais cada vez mais acentuadas graças à concentração de riqueza em meio à ampliação da percentagem populacional de pobreza. Dessa forma não se pode falar em produção social socializada.
As trocas não quantificadas, dos primórdios da humanidade, não visavam vantagem alguma. Pelo contrário, o orgulho de poder se distribuir um generoso excedente de produção em troca de outros produtos era o critério de satisfação das comunidades envolvidas. Somente com a idéia de troca quantificada, tendo como critério de mensuração o tempo de trabalho nelas aplicado, e visando a obtenção de vantagem, pôde introduzir a idéia de valor consubstanciado no trabalho abstrato, o que demonstra que ao invés de uma evolução no sentido da fraternidade social, houve uma involução, que está na base da criação da forma valor, dinheiro, mercadorias, trabalho abstrato, estado, política, e de todas as categorias capitalistas que tanto tem infelicitado a humanidade e que agora provoca a beligerância fratricida entre os povos, o caos social urbano, a cisão social e as catástrofes ecológicas que ameaçam a existência da humanidade.
Não vivemos, obviamente, numa sociedade livre, uma vez que a nós é imposta uma forma social única, mercantil, na qual coisas inanimadas (a lógica da produção das mercadorias e do dinheiro) nos dão ordens desumanas, nos opõe uns aos outros, e nos torna seus escravos, antes de termos a soberania de moldarmos o nosso destino a partir de nossas vontades, que são previamente manipuladas para que tenhamos apenas a liberdade de dizermos o que quisermos (e até certo ponto) sem que possamos jamais fazer o que quisermos em termos de vida social alternativa. A coerção estatal-jurídico-institucional-militar nos impõe limites de soberania de vontade, notadamente no que se refere à contestação prática das categorias capitalistas (o dinheiro aí incluído).

Postar um comentário